sábado, 26 de fevereiro de 2011

A máfia do turismo – caiu na rede é peixe!

Olha, é difícil não cair na “máfia do turismo”, como eu estou chamando, que há nos países em desenvolvimento da Ásia! Mesmo a gente sempre lendo sobre os lugares aos quais estamos indo, e sempre procurando nos manter informados sobre os “scams” - ou fraudes - que acontecem por aí! Se não cais por um lado, acabas caindo na rede por outro. É motorista de táxi, de tuk-tuk, de moto, é o cara da agência, do hotel ou o vendedor de rua, às vezes tem-se a impressão de que todos (ou quase) querem tirar vantagem de ti.

A gente já tinha lido que pra ir por terra de Bangkok, Tailândia, pra Siem Reap, Camboja, era melhor não comprar o ticket nas milhares de agências de viagens que há na cidade, mas ir com o ônibus do governo, mais barato, mais rápido, mais seguro. Também já sabíamos que, ao pegar um tuk-tuk na Tailândia (uma espécie de carrinho acoplado numa moto usado como táxi), não era pra cair no papo dos motoristas, que querem te levar pras lojas em que ganham comissão.

O nosso primeiro dia em Bangkok era um dos mais importantes feriados budistas, o Māgha Pūjā ou Makha Bucha, quando se celebra Buddha e seus ensinamentos. Os tuk-tuks naquele dia estavam cobrando só 10 bath (uns 30 centavos de US dólar) por pessoa pra te levar em quatro templos (dos famosos entre os turistas: standing Buddha, Lucky Buddha, Marble Temple, Golden Mount) porque tinham gasolina subsidiada pelo governo. Quando negociamos com um dos caras, falamos que não queríamos ser levados a loja nenhuma, mas quando já estávamos no tuk-tuk pelas ruas de Bangkok, o motorista, um carinha novo, pediu pra levar a gente numa só, que a gente não precisava comprar nada, só entrar, dar uma voltinha e sair; ele foi sincero ao ponto de dizer que era só pra ele ganhar o “fee” dele. Acabamos aceitando; já estávamos pagando tão pouco, não custava nada, a gente não tinha compromisso nenhum e tal! No fim até comprei uns óculos escuros, dos baratinhos, pois tinha perdido os meus e estava um sol de rachar.

Aí, antes de irmos no quarto e último templo ele perguntou pra onde a gente ia depois da Tailândia, e nós respondemos que era pro Camboja. Ele perguntou se tínhamos ticket, eu disse que não, ele ofereceu parar num lugar pra gente pegar informação sobre como ir pro Camboja e tal, primeiro eu disse que não precisava, daí ele mostrou no mapa dele, que era pertinho de onde estávamos indo e no mapa dele eu li “Tourism Authority of Thailand” e pensei: “Poxa, é um escritório da Autoridade de Turismo da Tailândia, oficial, está até no mapa, não custa passar lá!” E passamos.

De fato, chegamos lá e estava escrito em letras garrafais, repito, “Tourism Authority of Thailand”, tanto fora, na fachada, quanto dentro do escritório. Aí o cara que nos atendeu disse que a maneira mais fácil de ir pra lá era de ônibus, como tínhamos lido. Perguntei se era ônibus do governo, ele disse que sim. Nos disse o preço, eu achei meio cara, mas ele explicou que atravessaríamos todo o resto da Tailândia e que iríamos até Siem Reap, além da fronteira e tal. Ficamos meio na dúvida se deveríamos comprar naquele momento, mas acabamos comprando, afinal era o office do governo, que não era assim tão perto da nossa acomodação, e aí já teríamos essa parte resolvida, e seria tão prático! E compramos. Aí ele nos disse que nos pegariam às 7 h da manhã no nosso hotel. Por um segundo achei isso estranho, pois é coisa de quando tu compras em agência, mas não liguei muito pra esse meu pensamento. Ele logo pegou o ticket (na realidade um papel escrito que tínhamos comprado passagem pra dois, algo bem simples, mas é sempre assim na Tailândia) e colocou num envelope. Eu rapidamente conferi se a data estava certa e saímos contentes porque já não precisávamos mais fazer esta função. Quando estávamos saindo eu olhei a fachada de novo e vi que logo depois de “Tourism Authority of Thailand” tinha “n. 12345/67” pequeninho, no entanto naquele momento não me detive nisso. O importante é que estava tudo certo!

Umas horas depois, quando já estavamos de volta no nosso bairro (Khao San Road), me deu uma intuição do nada e eu comentei com o De que achava que tínhamos pagado mais do que deveríamos pela passagem. Na sequência, reparei que todas as agências tinham escrito em algum lugar (só que dum tamanho mais normal, sem destaque) “TAT license number 76543/21”. Aí comecei a me tocar do que tinha acontecido. Falei que estava desconfiada que aquela era uma agência como outra qualquer e que no fim das contas não iríamos pro Camboja com ônibus do governo. O De então logo entrou numa agência e perguntou o preço da mesma passagem: $350 baht (US$11), quando nós tínhamos pagado $950 baht (US$29)!!!!!! Caraca, me senti muito mal! Detestei ter sido enganada!! Fiquei com vontade de ligar pro cara na hora e perguntar o que que ele achava que tava fazendo? Que tipo de religião ele tinha? Que karma ele achava que estava criando pra ele? Pra que pegar dinheiro dos outros assim, mentindo descaradamente, iludindo, enganando! Fui ver o ticket com mais atenção e não tinha nem quanto a gente tinha pagado... Não ia adiantar nada ligar pra ele...Nós não fomos nem os primeiros nem os últimos a cair neste conto do vigário! Mas que me deu uma raiva, me deu!

Depois dessa a gente já nem sabia se iria vir alguém mesmo pegar a gente no hotel, mas esperamos pra ver. No dia marcado, pontualmente as 7 h da manhã, veio um minibus nos pegar. Aí, como já aconteceu em vários outros deslocamentos que fizemos dentro da Tailândia, estávamos certo que eles iriam pegar mais gente e depois nos levar até onde estava o ônibus propriamente dito, mais confortável, melhor pra viajar as quatro horas até a fronteira. Pegamos mais um casal e outro e outro, e quando demos por nós já estávamos em plena autoestrada, ainda e definitivamente no apertado minibus! Jesus-Maria-José! Por sorte (sorte?) fomos os primeiros e pegamos o banco da frente, com mais espaço pras pernas.

Bom, também já tínhamos lido de como na fronteira sempre tentam te cobrar o visto mais caro, isso podendo acontecer de diferentes formas: seja com os próprios oficiais do “visa on arrival”, ou quando se pega o bus do governo até o terminal da cidadezinha e então de lá um táxi ou tuk-tuk até a fronteira em si, acontece direto de eles quererem parar no Consulado do Camboja que tem antes e te cobrar mais caro pra pegarem a comissão deles. Também lemos (viva o Wikitravel!) de como acaba demorando mais se tu tentas falar, ainda que de um modo jeitoso, que tu sabes que o visto é mais barato, e quando pagas o que pedem tens o visto em uns poucos minutos.

O fato foi que o minibus parou num restaurantezinho antes da cidade da fronteira. Lá já tinha uns caras distribuindo o formulário de pedido de visto, o que se por um lado parecia prático e gentil (haha), por outro já nos mostrou onde isso ia parar! Preechemos e logo chegou um outro cara, sentou na mesa com a gente, pediu nossas duas fotos e nosso passaporte (ele já tinha vários outros na mão, cada um com o seu formulário) e disse bem educadamente que ia pegar o nosso visto e depois passar com a gente (e os outros do grupo) na fronteira. Bastava a gente pagar US$ 35 pra ele (quando deveria custar US$20 ou 25, dependendo de onde pegas o visto). Eu e De discutimos em Português se valia a pena dizer que não, depois ter que enfrentar os oficiais tentando arrancar dinheiro da gente de novo e, no fim, chutamos o pau da barraca e pagamos mesmo. Comparado ao que custou o visto da Índia (US$ 100) ou da Austrália (US$ 120), ainda estava em conta.

O nosso passaporte chegou logo bonitinho com o visto do Camboja, mas ainda tínhamos que passar pela saída da Tailândia, pela entrada no Camboja (pra pegar o carimbo) e depois pegar outro bus pra ir até Siem Reap. Turistada em peso, todo mundo no mesmo barco, fila pra uma coisa, fila pra outra, um calor dos infernos, e uma vida na fronteira que parecia cena de filme do Indiana Jones quando ele está a caminho dos lugares sagrados pra onde ele vai! Uma viagem! Os turistas nas filas, enquanto vááários locais, vestindo aqueles chapéus com um pano acoplado que tapa a boca pra proteger da poeira que subia das estradas de chão batido, empurravam tal qual animais carrinhos, carroças, carretas com pilhas enormes dos artigos mais variados, abertamente na divisa pra cá e pra lá! Surreal!

Passadas as fronteiras, ufa! Agora é só pegar o ônibus ou minibus que já deve estar ali esperando e mais três horas de viagem estamos em Siem Reap! Grande ilusão!

Passava das 2 h da tarde. O nosso guia da fronteira, que já era um terceiro cara, nos mostrou onde sentar pra esperar o bus. Eu e De já tínhamos conversado um pouquinho com ele antes, inclusive de primeira ele tinha memorizado que nós éramos os brazilians! Aí eu perguntei: “Chega que horas o bus?” “Às 3.30 h”, ele disse. “You kidding!” “No, no, I'm not kidding. Primeiro a gente organiza quem vai de táxi, depois é que chegam os ônibus.” “E daí são 3 h até Siem Reap, não?” “No, no, de táxi são 2 h, o ônibus leva umas 5 ou 6.” “You kidding?” “No, no, I'm not kidding. Quer que eu te conte por que os ônibus demoram tanto?” “Por quê?” “Porque eles param em um monte de lugar pra atrasar bastante a viagem pra vocês chegarem lá à noite, aí os motoristas de táxi e tuk-tuk levam vocês pras acomodações onde eles ganham comissão, e como vocês já estão cansados e é de noite, acabam aceitando!” … Foi com esse grau de sinceridade!!

hahaha Eu só não pensei que era mentira, porque na primeira parte da viagem, quando saímos de Bangkok, a gente leu que isso podia acontecer!

Perguntamos quanto era pra ir de táxi, ele nos explicou que quatro pessoas num táxi sairia US$ 12 cada uma! Eu já tava louca pra aceitar, sinceramente! A essas alturas eu já não estava nem me importando de pagar mais US$ 24 pra ter o conforto de chegar em Siem Reap durante o dia e ter um tuk-tuk que nos levaria gratuitamente, segundo ele, pra acomodação que a gente quisesse, pois o táxi não ficaria rondando na cidade prum lado e pro outro, considerando que seriam dois casais diferentes a viajarem juntos no táxi. Perguntei que garantia eu podia ter de que ia ter tuk-tuk de graça. Ele disse: “Eu tô te falando! Vai ter!”

Demoramos pra dar a resposta, enquanto o De pensava, e ele foi baixando o preço. No fim pagamos US$ 9 cada e pegamos um táxi junto com um casal de italianos. Foi a melhor coisa que fizemos! Chegamos em duas horas mesmo, realmente tinha um tuk-tuk nos esperando, o “chefe” dos tuk-tuks disse que o motorista podia parar em duas ou três acomodações se quiséssemos ver várias, que se a gente não soubesse de nenhuma eles indicariam, sem compromisso nosso de ficar em alguma, que eles não querem dar golpe em ninguém, que eles só iriam oferecer um tuk-tuk pra nos acompanhar no templo de Angkor (um complexo de templos enorme, precisaríamos mesmo de um transporte lá e acabaríamos pegando um tuk-tuk, que é o meio mais barato!). O nosso futuro motorista veio no tuk-tuk conversando com a gente, bem simpático, perguntou quanto que a gente queria pagar em acomodação, dissemos, e eles nos levou num hotel superbem localizado que abriu há um mês, tudo novinho e limpinho, dos melhores quartos que ficamos na viagem até agora, sem dúvida!

Mas sem fugir do ponto, a máfia do turismo me deixa perplexa. A maneira como eles te cercam por um lado ou por outro, te pegam pela ignorância ou por saberes demais, pelo cansaço ou comodismo. Não sei se tem como escapar. Acho que cedo ou tarde, o turista cai na rede. E uma vez na rede, fica ainda mais difícil se desvencilhar... O negócio é ter paciência, bom humor e um pouco de dinheiro extra pra não lamentar muito as perdas... Ainda bem que tem templo de sobra por aqui! Que Buddha nos conceda esses três pedidos!

6 comentários:

  1. Amiga, entrei na viagem com vcs.........
    To adorando tudo isso!!!
    Bjssssssssssssssssss Dani

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  2. Dulce não pude deixar de me interessar pelo tema abordado, pois pertenço ao grupo de atores do turismo: turista e gestor do turismo e quem sabe mafioso do turismo. Talvez meus atos já puderam contribuir com esse cenário. Minha atenção volta-se para olhar do cidadão local em relação ao turista. Como será que ele nos enxerga: Como um consumidor? Como uma pessoa? Como um consumidor/pessoa? Como uma pessoa/consumidor? ou ainda como... uma pessoa que vê aquele cidadão local como um caminho para satisfazer suas necessidades de maneira barata, rápida e econômica. Talvez ele tenha naquela única oportunidade que está nos "enxergando" de garantir uma pequena parte da riqueza do turismo. São raras as nações que se esforçam para distribuir a riqueza dessa atividade econômica. O cidadão local (motorista do tuk-tuk,do táxi) é o coadjuvante dessa história. Participa dessa história como refém das desigualdades sociais e vê o turismo como uma alternativa. Acredito que o turismo alternativo concebido pelas pequenas escalas de consumo e visitação possa minimizar os efeitos da "máfia do turismo" composta pelos inteligentíssimos estrategistas e até mesmo, quem sabe, pelos próprios turistas.
    Obrigado por esse relato de experiência. Good Luck in your Word Trip.
    Rodrigo Sommer - esposo da Fabi

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  3. @Dani: Que massa, amiga!
    @Rodrigo: Da-lhe, Rodrigo! Arrasou na análise! Valeu a contribuição! bjssss pra vcs

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  4. Du,
    senti raiva junto contigo! Como disse a tua mãe no email da família: numa viagem ao desconhecido " passa-se
    pelo inferno e purgatório para alcançar o paraíso".
    Por serem brasileiros eles não pensam que vcs têm menos dinheiro que os europeus, não exploram menos??

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  5. Estamos indo de BKK para Siem Reap, na próxima sexta e valeu a dica do preço do táxi na fronteira. Queremos pegar um ônibus até a fronteira da Tailandia/Cambodia e lá pegar o um taxi por nossa conta, o que acham? Ah! Vcs acham melhor pegar o visto aqui em BKK e já chegar com o visto?
    Obrigado pelas dicas
    Antonio & Ellen
    www.viagemafora.blogspot.com

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  6. Du, obrigado por ter nos respondido, já vivemos a experiencia e deu tudo muito certo. Valeu!! Fizemos um post com dicas para quem passar or isso tudo tbém!
    Abraços

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