quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Time to go!

Esses últimos dias – os pré-viagem – têm sido muito bons! Todos os dias tem algo referente à viagem pra fazer, claro! Mas foi pra esses arranjos finais que deixei esta última semana mesmo! Então tá sem stress, fazendo um pouquinho de cada vez. Também tá muito bom estar na casa de amigos nesta semana. O Camilo e a Ângela são ótimos e todas as noites, quando estamos os quatro em casa, têm sido muito legais!


No mais, tá tudo certo! Pegamos dicas preciosas de amigos que fizeram uma viagem parecida – Cris e Felipe, Juliano e Rose, obrigada!!

Em dois dias embarcamos!!! Muito bom! Já estou com frio na barriga! Embora o último post tenha sido, digamos, mais acadêmico, agora o blog vai virar mais “personal experience”, sempre com os assuntos direitos humanos e diversidade em mente, claro! Deixo aqui nosso itinerário – passível de alterações – pra quem quiser nos acompanhar!

25/12 - Wellington (NZ) - Sydney (Aus)
29/12 - Sydney (Aus) - Jakarta (Indonésia)
30/12 - Jakarta (Indo) - Bali (Indo)
30/1 - Cingapura
3/2 - Kuala Lumpur (Malásia)
7/2 - Tailândia
21/2 - Camboja
4/3 - Vietnã
16/3 - Bangkok - Hong Kong
22/3 - Índia
2/5 - Londres/Cambridge
6/5 - Istambul
12/5 - Londres
16/5 - Praga
20/5 - Paris
24/5 - Madri
29/5 - Lisboa/Porto
4/6 - Brasil
4/7 - Santiago (Chile)
9/7 - Wellington (NZ)

Fui! :)



Foto: LP Queiroz

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

O diálogo intercultural e as comunidades que praticam a Circuncisão Genital Feminina

Como eu já escrevi em algum lugar, desde a primeira vez que ouvi sobre o diálogo intercultural eu me apaixonei pelo tema! Tenho vontade de saber mais e mais do assunto e de trazer a teoria do interculturalismo, abordada no meu livro, pra nossa vida prática.

Eu já li bastante sobre isso, claro, mas queria mesmo era ler TUDO. Talvez por não estar trabalhando diretamente com direitos humanos ou interculturalismo na Nova Zelândia, andei ultimamente menos próxima do tema do que gostaria. De fato, eu vejo que diálogo intercultural ainda é uma teoria nova – aqui na NZ pouco se fala disso na academia, por exemplo. Logo neste país tão multicultural! Parece-se focar mais no que eles chamam de biculturalismo (os Maori e Pacific Islanders, por um lado, e os europeus, por outro) e no multiculturalismo. Quando há um ano e meio atrás apresentei uma palestra na universidade, que contou com a presença de professores e de membros da Human Rights Commission, ninguém tinha ouvido falar de interculturalismo ou diálogo intercultural!

Eu gosto mais de interculturalismo do que de multiculturalismo (embora este também seja fascinante!), pois o primeiro denota não apenas culturas diferentes que existem num mesmo Estado, como faz a segunda doutrina; o interculturalismo vai além: procura entender e trabalhar com as relações que se estabelecem entre diferentes culturas, dentro ou fora do limite estatal. E isso não só é fascinante como desafiador!

Pra resumir numa frase, eu acredito que práticas culturais que prejudiquem ou coíbam o desenvolvimento integral do ser humano, e portanto que ofendem o conceito bastante filosófico - mas que todo mundo entende - da dignidade humana, merecem ser questionadas, adaptadas ou mesmo abandonadas. E tendo em conta que “cultura” é uma categoria dinâmica, em constante transformação, isso é não só possível como totalmente aceitável. Notem que eu falo em práticas culturais, não em culturas no geral, pois a verdade é que toda comunidade cultural contém práticas que promovem o desenvolvimento humano bem como práticas que o coíbem.

É complicado falar de um tema tão complexo e que pode gerar tanta discussão nos limites de um post do blog, não há dúvida! E até agora, pode parecer pra quem nunca leu sobre o tema que eu estou falando de conceitos abstratos... que fica até difícil acompanhar. Por isso, com a teoria eu paro por aqui, neste post, e vou direto aos fatos.

Uma prática cultural que sempre me intrigou é a da Mutilação Genital Feminina, justamente por envolver a situação de mulheres e crianças. Aliás eu – por respeito às comunidades praticantes, que o fazem com as melhores intenções (para proteger a mulher, para purificá-la, para torná-la “casável”) – nem gosto mais de usar este termo, mutilação, que hoje me parece carregado do ponto de vista ocidental. Prefiro Circuncisão Genital Feminina (CGF) ou, como tem se usado em inglês, Corte Genital Feminino (pois há comunidades que procedem a apenas um corte, sem de fato remover partes do corpo). Pena que eu só tenha chegado a esta conclusão depois de publicar o livro, mas isso passa a mudar pra mim a partir de agora.

Há poucos dias me deparei com um relatório recém-lançado pela UNICEF, em parceria com a Innocenti Research Centre, sobre a CGF em que eles relatam experiências recentes em prol do abandono desta prática que têm sido exitosas em cinco países da África – Senegal, Egito, Etiópia, Quênia e Sudão! E à medida que eu ia lendo o relatório minha alma regozijava – é puro interculturalismo posto em prática!

Com certeza a vontade de mudar determinada prática cultural tem que vir de dentro da comunidade, da base. Diferentemente do “approach” dado ao assunto na década de 90, hoje em dia se procura gerar mudança na comunidade como um todo, e não em uns indivíduos, e a questão da CGF é abordada em conjunto com outras, considerando-se a dinâmica social que envolve esta prática e as normas e valores que estão por trás dela. Normalmente o abandono da CGF está inserido em projetos de emancipação da comunidade (de novo este termo: community empowerment) que duram meses ou mesmo alguns anos. Há o apoio do governo do país, muitas vezes dos canais de mídia, e sempre tem uma ONG liderando. São os locais, gente de autoridade – líderes tradicionais e religiosos, médicos, jovens ativistas –, que trabalham diretamente com as comunidades, e portanto eles são ouvidos. Em vez de o foco estar na “erradicação de uma prática má”, o diálogo hoje se centra na construção de uma visão positiva do futuro, a partir da moldura dos direitos humanos. Toda a conversa sempre lida com a linguagem e os valores locais. A partir daí, as próprias comunidades conectam os ideais e os princípios de direitos humanos com as suas necessidades práticas e aspirações comuns.

E isso é outra coisa que defendo: a teoria acadêmica do ocidente por tradição coloca os direitos humanos tal como conhecemos hoje como uma criação ocidental, de uma determinada época (segunda metade do século XVIII) , em um determinado lugar (a Europa). Está na hora de irmos além dessa visão e entendermos que os valores que estão na base dos direitos humanos são encontrados em todas as sociedades! Os direitos humanos são fruto de uma luta liberalizadora que pode acontecer em qualquer parte do planeta!

Vejo que o interculturalismo vem a motivar e alimentar a possibilidade de vivermos num mundo plural mas com o igual respeito aos direitos humanos; é o caminho que temos para administrar alguns dos conflitos que a humanidade hoje enfrenta. Me pergunto se chegará o dia em que as distintas culturas dialogarão efetivamente e em que não haverá opressão sobre aquilo que todos trazemos dentro de nós: nossa própria humanidade.

Relatório “The dynamics of social change – Towards the abandonment of female genital mutilation/cutting in five African countries”:
http://www.unicef-irc.org/publications/pdf/fgm_insight_eng.pdf

Quer saber mais?
Direitos Humanos e Interculturalismo: Análise da prática cultural da mutilação genital feminina
Foto: UNICEF

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

1 bilhão e 400 milhões de razões

Semana passada fui no evento de lançamento do DVD “1.4 billion reasons”, de uma organização chamada “The Global Poverty Project”. Este projeto foi fundado pelos australianos Hugh Evans e Simon Moss com a ideia de educar para acabar com a extrema pobreza no mundo. “1.4 billion reasons” é uma apresentação de 90 minutos que quer comunicar as realidades da extrema pobreza e o que pode ser feito por pessoas comuns, por gente como a gente, pra alcançar esse objetivo.
Semana passada fui no evento de lançamento do DVD “1.4 billion reasons”, de uma organização chamada “

A apresentação trabalha em torno de 5 perguntas:

1 – O que é a extrema pobreza?
2 – Há algo que pode ser feito a esse respeito?
3 – Quais são as barreiras pra acabar com a extrema pobreza?
4 – Por que devemos nos importar com isso?
5 – O que podemos fazer?

Há no mundo 1 bilhão e 400 milhões de pessoas que vivem com menos de US$ 1.25 por dia, que é o que demarca a linha da pobreza extrema.

Proporcionalmente à população mundial, a extrema pobreza nas últimas décadas já caiu de 50% pra 25%. Não é este um dado que chama a atenção? E o Global Poverty Project acredita que em uma geração esse índice pode chegar a zero, se trabalharmos juntos. Com pequenas atitudes no nosso dia a dia podemos atingir uma grande meta.

A apresentação em si é muito bem feita. Slideshows, vídeos, dados científicos e exemplos reais e práticos de fato fazem ver que, com simples mudanças, todos podem ser parte do movimento. Fica claro que aquilo que a gente aprende, diz, faz, doa e compra tem tudo a ver com o fim da pobreza extrema.

Tudo começa com a consciência do que acontece no mundo – o poder do conhecimento – e com a partipação – o poder da voz. Estando bem informados, podemos cobrar dos políticos eleitos as promessas que foram feitas, além de exigir que tenham o fim da pobreza nos objetivos do seu mandato. Aí no Brasil eu não vejo muito isso, mas aqui na NZ é bem comum – e efetivo – escrever cartas pros membros do Parlamento (equivalentes aos nossos senadores e deputados federais), por exemplo. Ou mandar emails pra eles. Muitas vezes as ONGs já têm o conteúdo da carta/email pronto, é só assinar ou clicar no “enviar”. O cara recebe centenas ou milhares de correspondências falando do mesmo assunto. Pressão que pode funcionar. Por que não usamos mais essa ferramenta no Brasil?

Outra sugestão é “voluntarie-se”. Envolva-se em algum projeto, ajude a quem precisa. Faz a diferença e é gratificante.

Indo adiante, faça a sua doação valer. Quando for doar dinheiro a algum projeto ou instituição, pesquise, veja que trabalhos foram feitos previamente, os resultados práticos, pergunte-se: esta organização está realmente provocando mudanças? Neste caso, chama a atenção a diferença que faz estar num país desenvolvido, onde todos – ou quase todos – têm dinheiro pra si e também pra doar. Ano passado eu era voluntária da Anistia Internacional (AI) aqui em Wellington. Como outras organizações, a AI tem um dia no ano em que vários voluntários vão às ruas com um baldinho na mão recolhendo doações de quem passa. Claro que o evento é superbem organizado – cuida-se pra que das 9h às 17h tenha gente nas ruas, em determinados pontos estratégicos do centro da cidade e de bairros. É um verdadeiro rodízio. Obviamente que há a precaução de não haver duas organizações fazendo isso no mesmo dia. O resultado? Só aqui em Wellington a gente conseguiu NZ$ 12.000,00!!

E, pra mim, a ideia que mais pode gerar mudança se a gente conseguir colocá-la em prática no dia a dia: cuide do seu poder de compra! Procure comprar produtos que tenham o selinho “FairTrade” ou “Comércio Justo”. Ainda pouco divulgado no Brasil, este selo foi criado pela organização Fairtrade Labelling Organisations International (FLO), fundada na Europa em 1997 (embora o movimento pelo comércio justo exista desde os anos 1960), para produtos que respeitam certos padrões: que os produtores recebam um preço mínimo justo e que haja um equilíbrio social e ambiental na cadeia produtiva. Infelizmente, não é assim tão fácil encontrar nas prateleiras dos supermercados brasileiros produtos com o selinho (ou é? faz mais de dois anos que não vou ao supermercado no Brasil. Se alguém tiver informação diferente da minha, me avisa). No entanto, o que podemos fazer é buscar saber de onde vem o que compramos, se aqueles que produziram estão recebendo justamente, se estão trabalhando horas decentes, se o produto ajuda a comunidade (cidade, Estado ou país). Já pensou se várias pessoas começassem a chamar o gerente e a fazer este tipo de pergunta? Com certeza, o interesse do público geraria o interesse do negócio em vender produtos cujas respostas às perguntas acima deixassem os clientes satisfeitos.

Enfim, há várias opções do que pode ser feito.

No ano passado, o próprio Hugh Evans fez a apresentação “1.4 billion reasons” aqui no Parlamento, em Wellington, e eu fui! Tanto na última semana quanto neste primeiro evento, saí de lá cheia de esperança! É verdadeiramente inspiradora a apresentação! Além disso, toma-se consciência do quanto cada um de nós é importante, da nossa cota individual de responsabilidade pelo mundo em que vivemos.

Eu acredito no Projeto. Os números, os estudos, os fatos mostrados na apresentação embasam meu otimismo e minha fé. Tem 1 bilhão e 400 milhões de pessoas, no mínimo, que podem se beneficiar de nossas atitudes. E você? Acredita que pode ajudar a acabar com a extrema pobreza em algumas poucas décadas?

domingo, 17 de outubro de 2010

Violência doméstica: Nova Zelândia x Brasil

Quando a gente vem do Brasil morar na Nova Zelândia, em princípio fica encantado com tudo: os serviços públicos funcionam que é uma beleza, os privados não ficam atrás, as pessoas se respeitam, ninguém fica tentando te passar a perna ou tirar vantagem em tudo... enfim, uma maravilha de país, onde cada um tem seu espaço e onde parece até que a gente tem mais direitos como ser humano.

Até nas propagandas de tevê ou nos rótulos dos produtos eu acredito mais! Como consumidora, tenho o sentimento de que as empresas estão falando a verdade e anunciando exatamente aquilo que corresponde ao produto! Decarlos costuma dizer que pra mim aqui na NZ tudo vende. Depois de escutar meu “hummmm” de aprovação de certo comercial, ele pergunta: “Vendeu?” E minha resposta é sempre sim! :)

De fato, eu ainda me encanto com o país em vários aspectos e digo que não é à toa que a NZ é o país menos corrupto do mundo! Mas nem tudo são flores!

Um dos maiores problemas de direitos humanos aqui é o da violência doméstica, estando aí incluídas não só a violência física ou sexual, mas também a violência psicológica. E embora a gente pense de cara na mulher, a violência doméstica também acontece contra crianças, idosos e pode até rolar contra homem! Mas sim, nossa primeira ideia faz sentido e são as mulheres as maiores vítimas.

Aqui existem várias organizações governamentais e não governamentais que cuidam do assunto e é interessante ver as diferentes formas de lidar com a questão. A principal campanha no momento é a “Family Violence – It’s not ok”, que busca envolver os amigos e família (para além da vítima) no combate à violência doméstica. A ideia é desafiar as atitudes e comportamentos daqueles que toleram qualquer tipo de violência, levando todos a acreditar que podem fazer algo pra prevenir a violência e pra ajudar quem precisa mudar.

Por outro lado, achei igualmente interessante o projeto “Safe at Home” que tem sido colocado em prática nos subúrbios de Auckland – que, como a maior cidade do país, tem as áreas mais violentas. O objetivo é fazer com que as vítimas de violência doméstica estejam e se sintam mais seguras através de uma ação que pode até parecer meio óbvia: fazendo suas casas mais seguras. Assim, uma parceria de órgãos do governo financia NZ$ 4.000,00 por casa para colocar um sistema de alarme que quando acionado traz a polícia na porta em poucos minutos (claro que este tipo de ajuda é para vítimas em risco extremo). Como resultado, as vítimas conseguem dormir à noite, lidam melhor com os desafios e estresses do dia a dia e isso acaba gerando mais estrutura e benefícios inclusive pras crianças da família. Nas moradias que são parte do projeto, praticamente não houve mais casos de violência. E se você está pensando que a Nova Zelândia é um país rico e por isso eles têm dinheiro pra investir neste tipo de prevenção, atente-se para o fato de que um homicídio aqui custa mais de 3 milhões aos cofres do país.

Falando em números, na Nova Zelândia metade dos homicídios cometidos contra mulheres envolve violência doméstica. No Brasil já vi estatísticas falando em 70%. Aqui na NZ, dizem que uma em cada três mulheres sofreu ou sofrerá algum tipo de violência. No Brasil, a cada 16 segundos uma mulher é espancada. Não, eu não escrevi errado, são 16 segundos mesmo.

E isso é outra coisa que me chama atenção aqui: os números. Não dá pra comparar os números absolutos de qualquer estatística entre Brasil, com mais de 180 milhões de habitantes, e NZ, que tem em torno de 4 milhões. Ainda que a gente esteja falando de um problema grave aqui, basta pegar a quantidade de homicídios contra mulheres pra se impressionar, isso sim, com a violência doméstica no nosso país. Na NZ uma mulher é assassinada por seu companheiro ou ex-companheiro a cada 5 semanas. Façamos o cálculo, se um ano tem 52 semanas, isso dá mais ou menos 10 mulheres por ano (no relatório da polícia sobre o ano passado, o total de assassinatos no país foi 65). Fica até chato falar dos números brasileiros porque vocês vão pensar que eu tô mentindo, mas nos últimos anos, 10 mulheres foram assassinadas por dia!

É de chorar! Enquanto na Nova Zelândia o problema da violência doméstica é um dos maiores do país em termos de direitos humanos, no Brasil, embora bem mais grave, é “só” mais um, entre tantos outros.

Ainda assim, eu tenho a impressão de que aqui eles levam isso mais a sério... Ou será minha visão já (não à toa) condicionada de que as coisas na NZ funcionam melhor e de que aqui as pessoas são mesmo levadas mais a sério?

É o fator cultura sempre presente. Na NZ, o cidadão tem voz. Se há um problema e um grupo, ainda que pequeno, de pessoas leva a questão ao governo (através, por exemplo de uma manifestação, entre outros meios), a mídia logo veicula matéria sobre o assunto e atitudes são tomadas para solucioná-lo. Me dá a impressão de que os governantes têm mais consciência de que estão de fato representando o povo... acho que entendem melhor o que é a democracia representativa e participativa que está em prática. É a educação, eu diria, formando concepções culturais que “trabalham” em prol dos direitos humanos.

Por outro lado, eu também me pergunto se isso se deve ao fato da NZ ser um país tão pequeno. É incrível, mas mesmo eu não sendo sequer residente (oficialmente falando; eu tenho apenas visto de trabalho), eu me sinto mais próxima do governo neozelandês do que eu me sentia do governo brasileiro. Moro na capital do país, e em diversas oportunidades estive lado a lado com membros do Parlamento (equivalente aos nossos senadores e deputados federais), pra citar um exemplo do que me faz sentir próxima a quem está no poder.

Mas após refletir, concluo que o fato de o país ser pequeno ajuda, porém sem uma verdadeira cultura democrática e participativa, tenha o país o tamanho que for, as coisas não funcionariam bem.

Voltando ao tema da violência doméstica e aos projetos implantados aqui, embora o pragmatismo do “Safe@Home” gere resultados mais imediatos, eu jamais dispensaria o “Family Violence – It’s not ok”. Este quer mexer mais fundo, quer mudar a concepção existente que faz com que alguns achem que podem fazer o que quiserem contra os “inferiores” com quem vivem. Campanhas que estão imbuídas de visão do futuro acabarão gerando uma mudança mais sólida e efetiva na sociedade como um todo.

O diálogo de fato tem que ser cultural; and this is ok.


Mais sobre Safe@Home:
http://www.nzherald.co.nz/nz/news/article.cfm?c_id=1&objectid=10679565

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

VIOLÊNCIA POLICIAL NO BRASIL: questão de segurança pública ou de concepção cultural?


Há mais de 10 anos, quando comecei a estudar direitos humanos e o sistema interamericano de proteção, me chamava a atenção o fato de a maioria dos casos brasileiros submetidos à Comissão ou à Corte Interamericana de Direitos Humanos, cuja sede fica na Costa Rica, tratar de violência policial.

Recentemente, ao pesquisar os relatórios elaborados pela ONG Human Rights Watch sobre o Brasil, desde 1991 até hoje, constato que a maioria deles é sobre – de novo – violência policial. Dos 14 já publicados, 10 tocam direta ou indiretamente na questão.

Agora há pouco, estava eu lendo o Informe 2010 da Anistia Internacional sobre o Brasil e adivinhem qual tema ocupa a maior parte do relatório? Sim, violência policial! É incrível que tão pouco tenha mudado nos últimos, digamos, 20 anos, apesar da pressão da sociedade civil (representada especialmente pelas ONGs) e da comunidade internacional! O que estaria faltanto? Pressão da comunidade nacional talvez?

O Informe da Anistia Internacional diz que “por todo o país, houve relatos persistentes de uso excessivo da força, de execuções extrajudiciais e de torturas cometidas por policiais” e que as autoridades continuam “a descrever as mortes cometidas por policiais como ‘autos de resistência’, em contrariedade às recomendações do relator especial da ONU sobre execuções sumárias, arbitrárias ou extrajudiciais, e em contrariedade ao III Plano Nacional de Direitos Humanos”. Em vista disso, não surpreende que centenas de homicídios não tenham sido devidamente investigados e que tenha havido poucas ações judiciais para processar os agentes públicos envolvidos na comissão de tais crimes, se é que houve alguma.

É de desanimar. Morando em outro país, por muitas vezes me pego nostálgica, com muita saudade do Brasil, louca pra voltar a morar aí. Aí quando me deparo com esse tipo de notícia, quase dá vontade de mudar de ideia. Claro que isso é a indignação do momento, e que no fim das contas eu continuo firme no plano de voltar pro Brasil... Mas que tem coisa que é triste, isso tem!

Ao menos no ano passado algo foi feito como um primeiro passo pra tentar reverter a situação: foi realizada, finalmente, a 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública, com a participação de representantes de diversos órgãos governamentais e também da sociedade civil. Como resultado, propostas relativas a diversos assuntos – fiscalização, apoio psicológico, descentralização, investimentos, salários etc. Se elas forem colocadas em prática, eu acredito que pode haver melhora... Ou não?

Eu me pergunto se a questão da violência policial em realidade não constituiria uma concepção cultural brasileira. Será que no fundo não aceitamos todos (ou quase todos) que a polícia tem poder pra fazer o que queira, especialmente contra bandidos, marginais, infratores? Ponho esses termos em destaque porque me parece muito fácil colocar de primeira esse rótulo nas pessoas, mesmo sem provas, com base em preconcepções discriminatórias, e a partir daí achar que contra essas tudo vale.

Uma vez me disseram que pra mudar uma concepção cultural é preciso três gerações. Pode até ser. Leve o tempo que levar, eu ainda acredito na educação. E por isso me chamou a atenção o fato de não haver, entre as propostas aprovadas na Conferência, nenhuma que trate especificamente da educação em direitos humanos para agentes da área da segurança pública. Os direitos humanos são mencionados como valor a ser respeitado, e fala-se em educação das crianças para o trânsito, em educação ambiental ou mesmo em geral, como forma de prevenção da violência. Ótimo, concordo com isso. Mas deixo aqui minha sugestão para cursos de direitos humanos também para os agentes policiais.

Informar e conscientizar é o primeiro passo para uma mudança de mentalidade e atitude.

Respondendo à pergunta-título, claro que violência policial é questão de segurança pública. Mas para que haja mudanças mais profundas, há que se provocar alteração numa matéria cultural que está imbutida disfarçadamente na nossa sociedade. Como se vê, o buraco é bem mais embaixo!

Foto: cena do filme Tropa de Elite.
Informe 2010 da AI: http://www.br.amnesty.org/?q=node/697

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Trabalho infantil é legal nos Estados Unidos


“Quando eu tinha 12 anos, eles me deram minha primeira faca. Eu me cortava semana após semana. Sempre tinha uma nova cicatriz. Minhas mãos têm muitas histórias”.

Ao ler a fala acima, tende-se a pensar que ela foi proferida por crianças de algum país em desenvolvimento, de uma região mais pobre do mundo. Mas não! Foi um cidadão estadunidense que deu este depoimento!

É absolutamente chocante que um país que se diz tão protetor da democracia e dos direitos humanos tenha leis federais que permitem que crianças trabalhem na agricultura! A lei diz que com 12 anos de idade elas podem ser empregadas em qualquer fazenda, e com qualquer idade em pequenas fazendas! Como se o tamanho da fazenda fosse fazer diferença para a exploração das crianças... Quanta ironia! E o pior é que a lei não estabelece sequer o horário de trabalho ou a quantidade de horas por semana, nem mesmo durante a época de escola. Fácil prever que a maioria dessas crianças é altamente explorada, trabalhando longas horas sem sequer ganhar um pagamento justo por isso... E o pior é que muitas acabam abandonando os estudos...

Não dá pra aceitar o fato de que esses abusos são cometidos sob o abrigo da lei americana! Come on! Já não é sem tempo que os EUA olhem pro seu umbigo e arrumem a própria casa antes de invadirem a casa alheia em nome da democracia!

Parece até piada...mas infelizmente não é......

Foto de Robin Romano
Mais informações no saite da Human Rights Watch: http://www.hrw.org/en/features/child-farmworkers-us

domingo, 26 de setembro de 2010

A Cúpula dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio

No ano 2000, foram estabelecidas no âmbito da Organização das Nações Unidas – ONU as 8 metas do milênio. São os objetivos que devem ser alcançados até o ano de 2015:

1 - Erradicar a extrema probreza e a fome
2 - Atingir o ensino básico universal
3 - Promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres
4 - Reduzir a mortalidade infantil
5 - Melhorar a saúde das gestantes
6 - Combater o HIV/Aids, a malária e outras doenças
7 - Garantir a sustentabilidade ambiental
8 - Estabelecer uma Parceria Mundial para o Desenvolvimento

Os representantes dos Estados-partes da ONU se reuniram em Nova Iorque esta semana, de 20 a 22 de setembro, para dar seguimento à reunião mundial de 2005: analisar os resultados alcançados, traçar novos planos e reafirmar o compromisso.

Apesar de a crise mundial ter diminuído o progresso constatado em 2005, chegou-se à conclusão de que as metas ainda são atingíveis. Os representantes governamentais renovaram seu compromisso e estabeleceram uma agenda de ações práticas a serem tomadas relativamente a cada objetivo.

Foi com deleite que li sobre a prioridade a ser dada a mulheres e crianças – os dois temas de direitos humanos que mais mexem comigo. Serão dedicados a elas US$ 40 bilhões, o equivalente a cerca de R$ 68 bilhões, provenientes de governos, fundações, empresas e organizações não governamentais. A ideia é evitar a morte de 15 milhões de crianças, 740 mil mulheres que morrem no parto ou durante a gestação, e ainda prevenir 33 milhões de gravidezes indesejadas, até 2015.

É importante deixar claro que esses 40 bilhões de dólares vêm da soma da quantia de investimento prometida por cada instituição, governo ou empresa, que inclusive já estabelecem a área específica em que esse dinheiro será aplicado. Por exemplo, Gana aumentará em 15% o seu orçamento nacional para a saúde, enquanto a Fundação Ford promete $18 milhões por ano para a ONU investir na educação sexual de jovens de diferentes países, Save the Children prevê $500 milhões por ano para a proteção de recém-nascidos e treinamento de trabalhadores da área da saúde, e a empresa Johnson & Johnson investirá $200 milhões nos próximos 4 anos para ajudar 120 milhões de mulheres e crianças em países em desenvolvimento.

Estava eu lendo sobre cada entidade envolvida nesta “Estratégia global para a saúde de mulheres e crianças”, e, na parte dos países, de Benin vai direto pra Burkina Faso. Cadê o Brasil? Seria bom ver o nosso país envolvido efetivamente nesta iniciativa que pode fazer a diferença. Como bem disse Ban Ki-moon, o Secretário Geral da ONU, investir na saúde de mulheres e crianças tem um efeito multiplicador nas metas do milênio como um todo e faz desenvolver sociedades mais estáveis, pacíficas e produtivas! Emancipar a mulher é capacitar comunidades inteiras (difícil traduzir pro Português a ideia de empowering! O que ele disse foi: “By empowering women, we empower societies.”).

Mas não nos deixemos levar pelo encantamento da grandeza desses números! A accountability de cada um dos envolvidos é fundamental; é a responsabilidade final! Através de um sistema que abrange monitoramento, avaliação e relatórios, será possível à ONU confirmar que os investimentos prometidos foram realmente feitos e que os resultados esperados foram alcançados. Resta a nós, indivíduos da sociedade civil, manter-nos informados e atentos para assim contribuir com a pressão social por parte de quem sabe o que está acontecendo, o que foi prometido e o que tem que mudar. Informação é chave! E com atitude e transparência, os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio serão uma verdadeira conquista conjunta da humanidade!