segunda-feira, 2 de maio de 2011

A Índia tibetana

Depois de encontrar minha mãe em Nova Delhi, passamos por Rishikesh, a cidade mundial da Yoga, e de lá fomos para Dharamsala, às portas do Himalaia. Que Índia diferente! Do calor de quase 40 graus, agora a temperatura estava abaixo dos 20, e jaquetas, cachecóis e gorros eram indispensáveis! O fenótipo do povo de lá é bem mais tibetano que indiano, monges e monjas estão por todos os cantos, e as ruas e até mesmo os quartos de hotéis são bem mais limpos dos que aqueles que tínhamos visto até então (e olha que desde a chegada da mãe temos ficado em hotéis melhores!).

A parte de cima da cidade (Upper Dharamsala), também chamada de McLeod Ganj, foi criada a partir da fuga (exílio) do Dalai Lama (este que todos conhecemos!) do Tibete, em 1959, com a derrota para a China, tendo ele sido seguido por muitos de seus devotos. A Índia então cedeu ao povo tibetano as montanhas de Dharamsala, onde poderiam se sentir um pouco mais em casa, pelo ambiente e geografia do lugar. Não é fácil o que os tibetanos que querem fugir do país têm de enfrentar para chegar na Índia. São dias e dias de travessia pelas montanhas do Himalaia até chegar ao Nepal, e depois atravessar o Nepal para finalmente entrar na Índia. Muitas vezes com poucas roupas e mantimentos, muitos perdem os dedos dos pés por causa do frio. Uma jornada que a nós parece insana!

Visitamos o museu da cidade e a situação do Tibete ficou então mais clara pra nós. A China não abre mão do Tibete e hoje os tibetanos têm muitos dos seus direitos violados. Na sua luta por independência, liberdade de expressão é algo que eles não podem exercer. Sequer podem ter alguma foto do Dalai Lama em casa! No Museu vimos um documentário que foi feito em 2007-8. Um tibetano saiu pelo país pra perguntar pro seu povo o que eles achavam de a China sediar os Jogos Olímpicos de 2008. O cineasta foi preso e desde agosto desse ano a família não tem notícias dele. Tudo porque os tibetanos expressavam a opinião de que eles não conseguiam ficar felizes com o fato de a China receber o evento quando eles não tinham liberdade nem independência. O filme tinha também cenas nas casas das famílias em que eles mostravam onde escondiam as fotos de Dalai Lama, e a devoção deles a este “Holy Man” quando o viram na tevê.

Ainda no Museu tive a chance de pegar jornaisinhos sobre a situação dos direitos humanos no Tibete em 2010, informação originalmente publicada no relatório anual do Centro Tibetano para os Direitos Humanos e a Democracia (TCHRD). Atestam que hoje há 831 presos políticos no Tibete, que intelectuais e blogueiros são perseguidos, que professores e estudantes foram presos quando protestavam contra uma lei do governo chinês que pretende colocar o idioma tibetano de lado ao obrigar que livros e aulas nas escolas primárias sejam em Chinês (exceto as aulas de Inglês e de Tibetano em si), colocando assim em risco uma das maiores expressões de identidade do povo, e ainda menciona o relatório uma lei aprovada estatuindo que cabe ao governo chinês o controle e administração de monastérios, isso tudo para diminuir a influência de Dalai Lama e outros líderes do budismo tibetano que vivem no exílio.

Falando nisso, outra coisa que nos chamou a atenção em Dharamsala foi a greve de fome que monges estão fazendo para que a China retire seu pessoal militar do Monastério de Kirti, hoje ocupado, e que permitam aos monges liberdade de religião e de ir e vir.

A China chegou ao ponto de prender um menino de seis anos, considerado o próximo Panchen Lama (o mais alto Lama depois de Dalai Lama), três dias depois de Dalai Lama ter declarado que ele era a reencarnação do 10° Panchen Lama. Isso foi em 1995. Hoje, Gedhun Choekyi Nyima tem 22 anos e a China ainda se nega a divulgar o seu paradeiro, apesar de todo o clamor internacional por parte de ONGs, celebridades e diferentes órgãos da ONU (como o Comitê dos Direitos das Crianças e o Conselho de Direitos Humanos). O governo chinês limita-se a dizer que ele está bem, vivendo como qualquer outro adolescente, junto com sua família, mas não revela onde ele está e nem autoriza visitas. Nyima é considerado o mais jovem preso político do mundo.

Há pouco, em 10 de março deste ano, Dalai Lama abriu mão de seu poder político e disse ao povo tibetano que eles agora deveriam ter eleições para escolher seu líder de governo. No seu discurso, divulgado no saite do governo tibetano no exílio, que fica em Dharamsala, reivindicou uma autonomia verdadeira ao Tibete e propôs que o país receba a visita de uma delegação

internacional para que seja verificada a situação de seu povo. Dez dias depois desse anúncio, houve as primeiras eleições no Tibete, que, apesar da ocupação chinesa, é considerado área autônoma (embora não independente). Com participação de quase 59% da população, o professor de direito Lobsang Sangay foi eleito Primeiro-Ministro.

Será que com uma verdadeira democracia operando no Tibete, está mais próximo o dia em que a China aceitará que o Tibete deve ser um país soberano? O 14° Dalai Lama já está com 75 anos. Não sei se ele verá seu país independente e livre nesta reencarnação ou na próxima...