segunda-feira, 7 de março de 2011

Voluntariando no Camboja

Apesar da chegada no Camboja ter tido os seus percalços, como eu contei no último post, o país é demais! O povo é absolutamente encantador, com um sorriso que contagia, e a impressão que eu tenho é que os cambojanos querem fazer tudo direitinho, tudo pra agradar o turista, que estão a fim mesmo de que o país cresça e se desenvolva.

Depois da queda do Império de Angkor, que foi glorioso nos séculos VIII a XII e sobreviveu aos trancos e barrancos até o século XV, o país não teve muita sorte, digamos. E no século XX, então, o Camboja passou por dominação japonesa na II Guerra Mundial, luta pela independência da França, golpe de Estado, envolvimento na famosa Guerra do Vietnã (na qual morreram 300.000 cambojanos), guerra civil, além do cruel regime comunista-agrário radical imposto pelo Khmer Vermelho de 1975-79 (Khmer Rouge, no original), quando milhares foram submetidos a trabalho forçado, torturados, assassinados, mortos por doença ou inanição, para dar um ideia do tamanho da tragédia. Me espanta que após tudo isso o povo do Camboja seja tão caloroso e sorridente. Até agora eles são os meus preferidos, ultrapassando os simpáticos balineses! :)

Antes mesmo de sairmos em viagem, eu e Decarlos já tínhamos conversado que queríamos visitar um orfanato em algum momento. Em Ko Tao, na Tailândia, um dos instrutores de mergulho nos falou que tinha ido várias vezes no New Futures, em Takeo, uma vilazinha ao sul da capital, Phnom Penh. Pesquisamos, gostamos bastante da ideia e fomos pra lá!

A estrutura do orfanato hoje, depois de quase ter fechado em 2008 por falta de recursos, é muito boa. Uma casa de tamanho médio com cinco quartos, nos quais dormem as 50 crianças, de 6 a 20 anos, divididas por sexo e idade. No pátio do orfanato foi construída uma biblioteca, uma sala de aula, um salão de beleza, uma sala de carpintaria/marcenaria, tem um campinho de futebol, um playground, enfim, tudo o que as crianças precisam para brincar e aprender.

New Futures Organization tem também uma casa grande onde ficam os voluntários, naturalmente pagando acomodação, com internet, café da manhã e janta. Tudo é feito para facilitar a vida de quem vem pra ajudar, e a casa pelo jeito está sempre cheia. Por lá já passou gente de 32 nacionalidades diferentes!

De manhã as crianças vão à escola, voltam pra almoçar e depois vão mais umas horinhas à tarde. Mas como as aulas nas escolas cambojanas são meio instáveis, acaba que grupos de crianças diferentes vão à escola em horários diferentes, então sempre tem gente no orfanato. Às 15 h todas já estão de volta.

A instituição abriga 6 crianças que sofreram abuso, 14 que são órfãs de pai e mãe, e o restante são os chamados órfãos econômicos – têm família, mas esta não possui condições de criá-los.

Não há a exigência de um tempo mínimo de estadia por parte dos voluntários; há quem fique apenas um dia (nós ficamos três), mas a maioria fica algumas semanas, ou até meses. Na real, nada é exigido dos voluntários. Tu podes fazer o que queiras pra ajudar, quando queiras, como queiras. Depende mesmo da iniciativa individual de cada um. Não há um horário de trabalho, nem ninguém vai te dizer o que fazer. It's totally up to you!

Se por um lado isso torna as coisas bem relax e sem pressão pra aquele que quer ajudar, por outro, às vezes eu acho que as coisas acabam ficando soltas demais. Me explico. É claro que, como os diretores mesmo atestam, só de passar um tempo com as crianças já se está contribuindo pro Inglês delas melhorar (todas aprendem Inglês na escola, além de aulas extras com os voluntários), pra autoconfiança delas, etc. Mas eu me senti superperdida no primeiro dia, e muitas vezes inútil e consequentemente frustada nos outros dois. E conversei com várias outras pessoas recém-chegadas que estavam bem sem saber o que fazer, disseram que ninguém tinha dito nada direito pra elas, que estavam perdidas enfim!

Como eu só tinha três dias, resolvi que no segundo queria chegar com algum plano, fazer alguma atividade, e não ficar apenas conversando. Dei uma dormidinha depois do almoço e pensei que gostaria de acordar sabendo o que fazer. Ainda bem que deu certo. Despertei com a ideia de fazer um pôster em que qualquer criança podia colaborar com algum desenho e a sua assinatura. Cheguei lá, peguei o material necessário, colei várias folhas A3 juntas, e fui chamando as crianças que iam passando pela sala de aula. O resultado ficou legal, embora tenham participado 10 ou 12 apenas. Isso é outra coisa que é difícil: reunir várias crianças ao mesmo tempo, pois tinha tanto voluntário lá (acho que uns 25) que as crianças se dividiam. E muitas vezes elas também gostam de brincar entre elas. Nem todas falam um bom inglês, por exemplo, pra ficar batendo papo.

No terceiro dia, resolvi que ia utilizar o salão de beleza. Ao chegar, limpei o salão, que estava uma bagunça, e aos poucos as meninas, e outras voluntárias, foram chegando. Fiz alguns cabelos, unhas e fui maquiada!

O De ajudou direto na construção da cerca do playground e também fez um carrinho de bambu.

A experiência foi marcante, sim. No entanto, tenho que dividir com vocês as minhas reflexões...

Mesmo eu fazendo o pôster e brincando no salão de beleza, teve vários momentos em que me vi caminhando pelo pátio, sem saber ou sem ter o que fazer, batendo fotos apenas, ou sentando e observando, porque nem sempre tu consegues encaixar alguma atividade em meio a tanta coisa que tem pra fazer e a tantos voluntários, todos querendo dar a sua contribuição, as crianças já todas ocupadas e tal... E o sentimento que me batia era de uma inutilidade sem fim...

Fiquei pensando se fiz alguma diferença pra elas... Será? Pensei que a diferença que fiz foi muito momentânea – quando a menininha queria pintar a unha de alguém, lá estava eu com as minhas unhas pra oferecer –, mas o que eu ensinei pra elas de verdade? Algo novo? Que diferença realmente fiz pra vida delas?

Conversei com voluntários que estão lá há mais tempo, gente que dá aula de Inglês todos os dias num horário determinado, gente que anda uma hora de bicicleta e vai nas escolas das vilas ensinar Inglês, o pessoal que está trabalhando mais na estrutura física do orfanato. E eu, que só brinquei umas poucas horas e troquei ideia com elas?? Fiquei com muita vontade de ficar lá mais tempo, pelo menos um mês. Eu daria aula de dança pra elas, não a dança do ventre, algo mais puxado pro jazz, ou até umas pinceladas de samba! Falei com o Neville, um dos diretores, ele disse que tem umas meninas que adoram dançar, que daria pra organizar uma aula mais séria só com estas e outra aberta a quem quisesse participar. Isso sim talvez fizesse uma diferença além da momentânea, pensei... Mesmo aula de Inglês eu adoraria dar! Já teria até um método, diferente do método sem graça (desculpem a honestidade) que eu vi uma das voluntárias utilizando numa aula. Mas com apenas três dias não dá pra colocar um projeto legal em prática.

Também pensei que com tantos voluntários indo e vindo, fica difícil formar vínculos, não? Claro que apesar disso, é melhor ter os voluntários do que não tê-los, óbvio. Pois a verdade é que o orfanato está sempre cheio de gente, busy, alegre, agitado. É fácil ver essas crianças sorrindo!

Pra terminar, o orfanato tem o objetivo de estabelecer ensino vocacional/técnico, pra que elas tenham uma profissão ao saírem do orfanato, ou então a organização paga universidade, acomodação, até elas ficarem mais independentes.

O sentimento de frustração que eu senti é coisa minha, pessoal. Apesar disso, eu tiro meu chapéu pro New Futures, um orfanato que superou os períodos de dificuldade financeira, se estabilizou, melhora a cada dia, e principalmente consegue fazer com que as crianças sejam felizes e vislumbrem um futuro pela frente.

Tem muitos orfanatos no Camboja. Se todos forem como o New Futures, a esperança de um futuro novo pra essas crianças com certeza se realizará. E pensando nisso, termino essa história feliz!