sexta-feira, 1 de outubro de 2010

VIOLÊNCIA POLICIAL NO BRASIL: questão de segurança pública ou de concepção cultural?


Há mais de 10 anos, quando comecei a estudar direitos humanos e o sistema interamericano de proteção, me chamava a atenção o fato de a maioria dos casos brasileiros submetidos à Comissão ou à Corte Interamericana de Direitos Humanos, cuja sede fica na Costa Rica, tratar de violência policial.

Recentemente, ao pesquisar os relatórios elaborados pela ONG Human Rights Watch sobre o Brasil, desde 1991 até hoje, constato que a maioria deles é sobre – de novo – violência policial. Dos 14 já publicados, 10 tocam direta ou indiretamente na questão.

Agora há pouco, estava eu lendo o Informe 2010 da Anistia Internacional sobre o Brasil e adivinhem qual tema ocupa a maior parte do relatório? Sim, violência policial! É incrível que tão pouco tenha mudado nos últimos, digamos, 20 anos, apesar da pressão da sociedade civil (representada especialmente pelas ONGs) e da comunidade internacional! O que estaria faltanto? Pressão da comunidade nacional talvez?

O Informe da Anistia Internacional diz que “por todo o país, houve relatos persistentes de uso excessivo da força, de execuções extrajudiciais e de torturas cometidas por policiais” e que as autoridades continuam “a descrever as mortes cometidas por policiais como ‘autos de resistência’, em contrariedade às recomendações do relator especial da ONU sobre execuções sumárias, arbitrárias ou extrajudiciais, e em contrariedade ao III Plano Nacional de Direitos Humanos”. Em vista disso, não surpreende que centenas de homicídios não tenham sido devidamente investigados e que tenha havido poucas ações judiciais para processar os agentes públicos envolvidos na comissão de tais crimes, se é que houve alguma.

É de desanimar. Morando em outro país, por muitas vezes me pego nostálgica, com muita saudade do Brasil, louca pra voltar a morar aí. Aí quando me deparo com esse tipo de notícia, quase dá vontade de mudar de ideia. Claro que isso é a indignação do momento, e que no fim das contas eu continuo firme no plano de voltar pro Brasil... Mas que tem coisa que é triste, isso tem!

Ao menos no ano passado algo foi feito como um primeiro passo pra tentar reverter a situação: foi realizada, finalmente, a 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública, com a participação de representantes de diversos órgãos governamentais e também da sociedade civil. Como resultado, propostas relativas a diversos assuntos – fiscalização, apoio psicológico, descentralização, investimentos, salários etc. Se elas forem colocadas em prática, eu acredito que pode haver melhora... Ou não?

Eu me pergunto se a questão da violência policial em realidade não constituiria uma concepção cultural brasileira. Será que no fundo não aceitamos todos (ou quase todos) que a polícia tem poder pra fazer o que queira, especialmente contra bandidos, marginais, infratores? Ponho esses termos em destaque porque me parece muito fácil colocar de primeira esse rótulo nas pessoas, mesmo sem provas, com base em preconcepções discriminatórias, e a partir daí achar que contra essas tudo vale.

Uma vez me disseram que pra mudar uma concepção cultural é preciso três gerações. Pode até ser. Leve o tempo que levar, eu ainda acredito na educação. E por isso me chamou a atenção o fato de não haver, entre as propostas aprovadas na Conferência, nenhuma que trate especificamente da educação em direitos humanos para agentes da área da segurança pública. Os direitos humanos são mencionados como valor a ser respeitado, e fala-se em educação das crianças para o trânsito, em educação ambiental ou mesmo em geral, como forma de prevenção da violência. Ótimo, concordo com isso. Mas deixo aqui minha sugestão para cursos de direitos humanos também para os agentes policiais.

Informar e conscientizar é o primeiro passo para uma mudança de mentalidade e atitude.

Respondendo à pergunta-título, claro que violência policial é questão de segurança pública. Mas para que haja mudanças mais profundas, há que se provocar alteração numa matéria cultural que está imbutida disfarçadamente na nossa sociedade. Como se vê, o buraco é bem mais embaixo!

Foto: cena do filme Tropa de Elite.
Informe 2010 da AI: http://www.br.amnesty.org/?q=node/697

6 comentários:

  1. Dulce, querida, eu não acho de modo algum que a violência policial seja uma concepção cultural brasileira, afinal ela existe em diversos países de culturas bem diferentes da nossa.
    Concordo, porém, quando você relaciona a violência à educação (ou à falta dela).

    Acredito que sabe-se o verdadeiro caráter de um homem quando lhe damos poder e o que eu vejo nesses policias é a "síndrome do pequeno poder". Que pode afetar não apenas policias, mas é deles que estamos falando aqui.
    Basta a pessoa se sentir em uma situação um pouco privilegiada sobre outra pessoa para abusar desse poder.

    Talvez o erro esteja em deixá-los pensar que eles tem esse poder, que na realidade ninguém tem, e aí entra a educação. Mas talvez seja mesmo um traço cultural, não digo a violência policial mas o abuso do poder, a tal história de querer tirar vantagem de tudo que a gente bem conhece. E aí sim, fico muito triste de pensar na utópica tarefa de mudar toda uma sociedade.

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  2. Cris! Concordo contigo que a violência policial ocorre também em países com culturas diferentes da nossa. Não deixei claro sobre haver uma concepção cultural que interfere nessa violência na nossa sociedade, mas não exclusivamente nela!

    E acho que essa concepção cultural pode ser mesmo a "síndrome do pequeno poder" (nome interessante este!). De fato vejo algo na raiz, na base da sociedade, enfim na cultura falando de modo geral, que torna difícil acabar com este tipo (e outros) de violência...

    Só a educação pode mudar isto, né? :)

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  3. Oi Dulce,
    violencia nao depende de nivel de escolaridade, afinal temos trotes violentos, violencia domestica, juizes que mandam matar, playboys e seus pitbulls... a violencia é generalizada... é um traço cultural nosso. É independente de corrupçao, educaçao, sexo, idade, renda. Brasileiros são violentos em todos os niveis seja do pobre com o rico ou do rico com o pobre... não existe solução de curto prazo pra isso, quem sabe mais igualdade social? mesmo assim isso vai levar gerações pra acontecer...

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  4. @Felipe
    Sim,não depende de nível de escolaridade mesmo. Mas ainda acho que educação para a não-violência e para os direitos humanos, em todas as classes, é o que pode gerar mudança. Uma educação que inove em relação à que aí está, que ensine e trabalhe com o respeito pelo outro, com formas pacíficas de solução de conflitos em geral. Seja como for, acabo concordando contigo de novo: leva gerações pra acontecer. Mas isso não pode fazer com que deixemos de ter atitudes em prol do fim da violência. Quem sabe nossos netos e bisnetos viverão numa sociedade brasileira mais harmoniosa?

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  5. Du,
    Só pra dizer que essa foto não é do filme; possivelmente é alguma sátira com o filme. Bjs,
    v.

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  6. Então falta educação em direitos humanos para agentes da área da segurança pública? Eu achei que isso era uma matéria obrigatória. Sério! Pensei mesmo. Fiquei surpreso por não existir mais estudos no tema. Concordo contigo minha amiga.

    Sua página está especial de boa, como diria meu pai.

    Grande beijo.

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