quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Time to go!

Esses últimos dias – os pré-viagem – têm sido muito bons! Todos os dias tem algo referente à viagem pra fazer, claro! Mas foi pra esses arranjos finais que deixei esta última semana mesmo! Então tá sem stress, fazendo um pouquinho de cada vez. Também tá muito bom estar na casa de amigos nesta semana. O Camilo e a Ângela são ótimos e todas as noites, quando estamos os quatro em casa, têm sido muito legais!


No mais, tá tudo certo! Pegamos dicas preciosas de amigos que fizeram uma viagem parecida – Cris e Felipe, Juliano e Rose, obrigada!!

Em dois dias embarcamos!!! Muito bom! Já estou com frio na barriga! Embora o último post tenha sido, digamos, mais acadêmico, agora o blog vai virar mais “personal experience”, sempre com os assuntos direitos humanos e diversidade em mente, claro! Deixo aqui nosso itinerário – passível de alterações – pra quem quiser nos acompanhar!

25/12 - Wellington (NZ) - Sydney (Aus)
29/12 - Sydney (Aus) - Jakarta (Indonésia)
30/12 - Jakarta (Indo) - Bali (Indo)
30/1 - Cingapura
3/2 - Kuala Lumpur (Malásia)
7/2 - Tailândia
21/2 - Camboja
4/3 - Vietnã
16/3 - Bangkok - Hong Kong
22/3 - Índia
2/5 - Londres/Cambridge
6/5 - Istambul
12/5 - Londres
16/5 - Praga
20/5 - Paris
24/5 - Madri
29/5 - Lisboa/Porto
4/6 - Brasil
4/7 - Santiago (Chile)
9/7 - Wellington (NZ)

Fui! :)



Foto: LP Queiroz

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

O diálogo intercultural e as comunidades que praticam a Circuncisão Genital Feminina

Como eu já escrevi em algum lugar, desde a primeira vez que ouvi sobre o diálogo intercultural eu me apaixonei pelo tema! Tenho vontade de saber mais e mais do assunto e de trazer a teoria do interculturalismo, abordada no meu livro, pra nossa vida prática.

Eu já li bastante sobre isso, claro, mas queria mesmo era ler TUDO. Talvez por não estar trabalhando diretamente com direitos humanos ou interculturalismo na Nova Zelândia, andei ultimamente menos próxima do tema do que gostaria. De fato, eu vejo que diálogo intercultural ainda é uma teoria nova – aqui na NZ pouco se fala disso na academia, por exemplo. Logo neste país tão multicultural! Parece-se focar mais no que eles chamam de biculturalismo (os Maori e Pacific Islanders, por um lado, e os europeus, por outro) e no multiculturalismo. Quando há um ano e meio atrás apresentei uma palestra na universidade, que contou com a presença de professores e de membros da Human Rights Commission, ninguém tinha ouvido falar de interculturalismo ou diálogo intercultural!

Eu gosto mais de interculturalismo do que de multiculturalismo (embora este também seja fascinante!), pois o primeiro denota não apenas culturas diferentes que existem num mesmo Estado, como faz a segunda doutrina; o interculturalismo vai além: procura entender e trabalhar com as relações que se estabelecem entre diferentes culturas, dentro ou fora do limite estatal. E isso não só é fascinante como desafiador!

Pra resumir numa frase, eu acredito que práticas culturais que prejudiquem ou coíbam o desenvolvimento integral do ser humano, e portanto que ofendem o conceito bastante filosófico - mas que todo mundo entende - da dignidade humana, merecem ser questionadas, adaptadas ou mesmo abandonadas. E tendo em conta que “cultura” é uma categoria dinâmica, em constante transformação, isso é não só possível como totalmente aceitável. Notem que eu falo em práticas culturais, não em culturas no geral, pois a verdade é que toda comunidade cultural contém práticas que promovem o desenvolvimento humano bem como práticas que o coíbem.

É complicado falar de um tema tão complexo e que pode gerar tanta discussão nos limites de um post do blog, não há dúvida! E até agora, pode parecer pra quem nunca leu sobre o tema que eu estou falando de conceitos abstratos... que fica até difícil acompanhar. Por isso, com a teoria eu paro por aqui, neste post, e vou direto aos fatos.

Uma prática cultural que sempre me intrigou é a da Mutilação Genital Feminina, justamente por envolver a situação de mulheres e crianças. Aliás eu – por respeito às comunidades praticantes, que o fazem com as melhores intenções (para proteger a mulher, para purificá-la, para torná-la “casável”) – nem gosto mais de usar este termo, mutilação, que hoje me parece carregado do ponto de vista ocidental. Prefiro Circuncisão Genital Feminina (CGF) ou, como tem se usado em inglês, Corte Genital Feminino (pois há comunidades que procedem a apenas um corte, sem de fato remover partes do corpo). Pena que eu só tenha chegado a esta conclusão depois de publicar o livro, mas isso passa a mudar pra mim a partir de agora.

Há poucos dias me deparei com um relatório recém-lançado pela UNICEF, em parceria com a Innocenti Research Centre, sobre a CGF em que eles relatam experiências recentes em prol do abandono desta prática que têm sido exitosas em cinco países da África – Senegal, Egito, Etiópia, Quênia e Sudão! E à medida que eu ia lendo o relatório minha alma regozijava – é puro interculturalismo posto em prática!

Com certeza a vontade de mudar determinada prática cultural tem que vir de dentro da comunidade, da base. Diferentemente do “approach” dado ao assunto na década de 90, hoje em dia se procura gerar mudança na comunidade como um todo, e não em uns indivíduos, e a questão da CGF é abordada em conjunto com outras, considerando-se a dinâmica social que envolve esta prática e as normas e valores que estão por trás dela. Normalmente o abandono da CGF está inserido em projetos de emancipação da comunidade (de novo este termo: community empowerment) que duram meses ou mesmo alguns anos. Há o apoio do governo do país, muitas vezes dos canais de mídia, e sempre tem uma ONG liderando. São os locais, gente de autoridade – líderes tradicionais e religiosos, médicos, jovens ativistas –, que trabalham diretamente com as comunidades, e portanto eles são ouvidos. Em vez de o foco estar na “erradicação de uma prática má”, o diálogo hoje se centra na construção de uma visão positiva do futuro, a partir da moldura dos direitos humanos. Toda a conversa sempre lida com a linguagem e os valores locais. A partir daí, as próprias comunidades conectam os ideais e os princípios de direitos humanos com as suas necessidades práticas e aspirações comuns.

E isso é outra coisa que defendo: a teoria acadêmica do ocidente por tradição coloca os direitos humanos tal como conhecemos hoje como uma criação ocidental, de uma determinada época (segunda metade do século XVIII) , em um determinado lugar (a Europa). Está na hora de irmos além dessa visão e entendermos que os valores que estão na base dos direitos humanos são encontrados em todas as sociedades! Os direitos humanos são fruto de uma luta liberalizadora que pode acontecer em qualquer parte do planeta!

Vejo que o interculturalismo vem a motivar e alimentar a possibilidade de vivermos num mundo plural mas com o igual respeito aos direitos humanos; é o caminho que temos para administrar alguns dos conflitos que a humanidade hoje enfrenta. Me pergunto se chegará o dia em que as distintas culturas dialogarão efetivamente e em que não haverá opressão sobre aquilo que todos trazemos dentro de nós: nossa própria humanidade.

Relatório “The dynamics of social change – Towards the abandonment of female genital mutilation/cutting in five African countries”:
http://www.unicef-irc.org/publications/pdf/fgm_insight_eng.pdf

Quer saber mais?
Direitos Humanos e Interculturalismo: Análise da prática cultural da mutilação genital feminina
Foto: UNICEF