sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Capitalismo cruel


"E a sacanagem do capitalismo selvagem / Com seus tentáculos multinacionais querem mais, e mais, e mais... / Lucros abusivos / Grandes executivos são seus abastados serviçais / Não se importam com a fome, com os direitos do homem / Querem abocanhar o globo, dividir em poucos o bolo / Deixando migalhas pro resto da gentalha, em seus muitos planos / Não vêem seres humanos e os seus valores, só milhões e milhões de consumidores" (Tribo de Jah)
Quando ainda estávamos em Padang Padang, no Sul de Bali, me pus a pensar sobre o cruel capitalismo... O que mais se vê nesta ilha tão linda são resorts! Resorts em pleno funcionamento, resorts sendo construídos, terras sendo compradas por estrangeiros que devem ter o resort no papel, enfim, resorts pra todo gosto.
Um dia, pegamos uma motinho e fomos à praia de Uluwatu, famosa entre os surfistas. Não gostamos nada da praia, que aliás nem tem praia assim aberta ao público. Os surfistas têm que pular de um monte de pedra direto no mar, e as mulheres dos surfistas podem no máximo passear pelos casebres-lojinhas que tem por ali. Uns dias depois, conhecemos uma brasileira cujo filho mora aqui há 20 anos, e ela nos mostrou fotos de lindas prainhas de Uluwatu, às quais só se tem acesso através dos resorts.
Uma das coisas que mais me chocou foi saber que as diárias desses hotéis de luxo são no mínimo de US$ 8.000,00 e que eles estavam lotados! Aliás, a Julia Roberts ficou num desses quando veio filmar “Eat, Pray, Love”.
Na frente mesmo da acomodação onde estávamos ficando, em Padang Padang, tem um hotelzão em construção. Nos disseram que até a praia que frequentamos vai acabar sendo fechada pelo resort. Nos perguntamos que praia vai sobrar pros locais...
De Bali, resolvemos ir a Lombok, a ilha vizinha, onde ainda se pode encontrar praias mais remotas, mais selvagens... Infelizmente, constatamos que falta muito pouco pra Lombok ficar igualzinha a Bali. Nós fomos pro Sul, pra praia de Kuta, famosa também pelas ondas e por ser um lugar bom pra relaxar. O que encontramos? Várias placas de terras pra vender, loteamentos prontinhos, resorts a serem construídos, e um aeroporto internacional quase acabado, com inauguração prevista pra daqui a mais ou menos um ano e projeções de receber dois milhões de turistas anualmente...
Nos disseram que ao menos 70% das terras da costa balinesa são de propriedade estrangeira, embora apenas nacionais da Indonésia possam comprar terras aqui. O negócio é que sempre há subterfúgios, então estrangeiros ou firmam contratos com os locais ou abrem empresas na Indonésia, e essas sim podem adquirir terras. Lombok vai pelo mesmo caminho... Praias inteiras estão sendo compradas por gente de fora, às vezes ainda não os futuros donos dos resorts, mas gente “comum” que pretende depois vender essas terras, hoje tão baratas, pra obter um lucro altíssimo (não vão precisar esperar mais do que cinco anos, eu diria).
Parece que algumas ilhas indonesianas vão continuar sendo o paraíso que são... mas serão paraíso de poucos.
Ainda bem que a gente fica sabendo de outras atitudes que nos dão esperança. Um dia desses conhecemos um casal de holandeses que está viajando com seu filhinho de 10 meses de idade. Os dois meses de férias que ele vieram passar aqui começaram com uma ida às comunidades atingidas pelo vulcão em outubro do ano passado. Eles ajudaram na reconstrução das fontes de água potável, distribuíram vouchers de material de construção para as famílias e também lhes deram sementes para serem plantadas. Fizeram aquilo que o governo não está fazendo, nos disseram.
Claro que o que está acontecendo na Indonésia ocorre também em várias outras partes do mundo. É fácil ver até mesmo em Floripa que praias remotas deixam de ser remotas, que a exploração do turismo muitas vezes beneficia pouco as comunidades locais.
É... parece que a sede de lucro típica do capitalismo é algo comum em todo o planeta. Que o exemplo de solidariedade também seja! Se não, onde é que vamos parar?

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

As crianças de Lombok


Saímos de Bali e viemos à ilha vizinha: Lombok. Diferente de Bali, Lombok é muçulmana. A lingua predominante aqui não é o Indonesiano (ou Bahasa Indonesia), mas o Lomboquês (ou Bahasa Sasak).

Lombok é incrível em vários aspectos: praias paradisíacas de areia branca fina, coqueiros, e bem rural (ao menos no Sul, onde estamos, Kuta Lombok). No caminho pras praias de surfe, agora de motinho pelas ruas esburacadas, a gente passa por casebres que não devem ter nem luz elétrica, com suas cabras, galinhas, vacas...

Eu pensei que não fosse ter nem internet aqui (pois, como já tinham nos informado, não tem caixa eletrônico, por exemplo), mas na vilinha onde ficam as acomodações já tem internet broadband! Ou seja, se tem algo que Lombok tem em comum com Bali é o contraste. De um dos lados do lixo acumulado em terrenos baldios, vê-se cabras e crianças brincando; do outro, placas de imobiliárias vendendo terras já loteadas ou propaganda de resorts.

Falando nas crianças, é nelas que eu quero me deter neste post. Passou da 1h da tarde, hora em que elas saem da escola, tu colocas o pé na rua e vêm várias tentar te vender pulseirinhas. Elas são fofas, de 4 ou 5 anos de idade a uns 12, e falam inglês! Normalmente elas estão em pequenos grupos, e tem uma que domina mais o idioma. Aí sempre rola um papo, é claro! Elas perguntam o teu nome, te dizem “nice to meet you”, te perguntam de onde és!

Hoje uma menina, de nome Fika, quando estávamos no restaurante, veio sozinha. Aproveitou uma brechinha do dono, que não deixa elas entrarem e “incomodarem” os clientes, e veio direto pra nossa mesa. Ela se apresentou, perguntou nosso nome, nos deu um aperto de mão. Gente, muito linda ela! Eu a elogiei, é claro, e ela disse que eu também era beautiful; depois elogiou meus brincos (em formato de flor, produzidos na fábrica do meu primo Alexandre), e eu já tinha me derretido por ela. Mas aí o dono chegou e pediu pra ela sair. Eu decidi que vou comprar uma pulseirinha dela na próxima vez que a encontrar!

Depois, estávamos passeando pelas lojinhas (pequenas casinhas feitas de bambu ao longo da praia onde vendem vestidos, shortinhos, etc.) e um menino de uns dois anos disse “hello, miss!” com um sorriso, enquanto o irmãozinho dele de meses, sentadinho no chão de concreto, abanava.

Num café, enquanto tomávamos uma Bintang, a cerveja daqui, na beira da praia, outras duas meninas se aproximaram, e desta vez era a pequeninha, de uns 4 ou 5 anos, que mandava no inglês. Que pronúncia, que olhar vivo, que fofa ela! Seu nome é Mary e o da irmã, Lisa. Chama a atenção como várias aqui têm nome americano... Já conheci Tina, Anne, Julianne...

E agora há pouco, para completar, estávamos sentados tomando um cafezinho na varanda da nossa acomodação – uma homestay, que é das acomodações mais baratas por aqui –, três meninos entraram e vieram ter com a gente. Umas figuras eles! Principalmente o dominante. Todo estiloso, cabelo arrepiado com gel (ou algo equivalente), um sorrisão! Nos ensinaram umas palavras de Lomboquês: como dizer “não, obrigada”, “amanhã”, “não tenho dinheiro”... E repetiam até que a gente falasse certinho! Na real, quando eles estavam entrando eu pensei: “até aqui?!! Bem na hora do cafezinho...!”. Mas no fim o papo foi ótimo! Eu sempre pergunto se eles vão à escola, e até hoje, que é sábado, eles foram; seis dias de escola na semana (amanhã é dia de feira, nos explicaram). Aliás, é na escola que eles aprendem inglês, além do Indonesiano e do Lomboquês, por certo. Nos disseram, bem orgulhosos, que falam três linguas!

Ele (esse acabei esquecendo de perguntar o nome; ele também o nosso) falou que gostou da nossa música (era o grupo espanhol Café Quijano), perguntou quanto eu paguei no Ipod (sem usar a palavra Ipod), eu respondi que foi presente da minha mãe, disse então que achou very nice e que adora cantar. Parei a música e pedimos: canta pra gente! Ele pensou um segundo, buscando a palavra, e disse apenas: shy!

Que encanto essas crianças! Sério, eu tenho vontade de comprar uma pulseirinha de cada uma delas! Me dá uma pena de elas estarem trabalhando... Aí o Decarlos diz que a situação das crianças pobres no Brasil é bem pior, que ao menos aqui elas não estão pedindo esmola no sinal ou tentando conseguir dinheiro pra manter o vício dos pais... que o dinheiro vai pra comprar livro pra escola, como elas dizem, ou pro sustento da família, e que elas não estão num trabalho pesado, numa fazenda ou quebrando pedra, como já saiu na tevê... Mas mesmo assim me dói. Elas tinham que estar brincando, curtindo a vida... mas a vida não permite...

Bom, esse foi só o nosso primeiro dia aqui. Se continuar assim, amigas, preparem-se: vai ser pulseirinha de Lombok de lembrança pra todo mundo!

P.S.: Hoje, domingo, o De foi pro surfe e eu fiquei pra ir na feira. Quando ele tinha acabado de sair, eu esperando o café, adivinhem quem entra e vem falar comigo? Fika! Aí fiquei um tempão conversando com ela, batemos fotos, e comprei duas pulseirinhas de conchinhas. Quando eu ia bater a foto, perguntei se tinha problema; ela disse que não, que estava happy, que eu era very friendly! Depois de ir no market, que foi uma experiência e tanto, decidi ir ler na praia. Mal me sento e quando me dou conta, tem sete meninas na minha volta, entre elas a Fika. Ficamos mais de uma hora ali conversando! Claro que elas queriam mesmo era vender pulseirinha, mas eu vou mudando de assunto! A Fika é uma fofinha, com certeza a minha preferida! Sem ilusões, tenho que dizer que às vezes a insistência de algumas cansa um pouco... Ainda assim, eu gosto delas!

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Bali dos contrastes

Depois de passar por Sydney, chegamos na Indonésia. Que loucura estar na Ásia! Já no aeroporto se sente o choque Ocidente-Oriente e a diferença país desenvolvido-país em desenvolvimento.

Mas eu quero falar mesmo é dos papos que batemos com os motoristas de táxi. Pra começar, os indonesianos em geral falam pouco ou nada de inglês! Mesmo aqui em Bali, lugar tão turístico, às vezes é difícil se fazer entender. Ou seja, os motoristas de táxi, apesar de falarem pouco inglês, são os que melhor falam!


O trânsito aqui é muito louco: motocicletas, carros, pedestres, bikes, todos se misturam, passam fino um do outro, e pros locais tudo parece absolutamente normal, enquanto a gente, dentro dos táxis, no começo em alguns momentos perde a respiração! Agora, entre Natal e Ano Novo, tem muuuita gente e muito veículo na rua, então alugar carro ou motinho por enquanto nem pensar! Eu não me arrisco! Por isso táxi é a melhor opção. Pegamos tanto na nossa chegada, em Jakarta, quanto aqui em Bali pra ir de um lugar a outro. E no fim é uma ótima oportunidade pra conversar com gente daqui!


Hoje de manhã pegamos (eu, Decarlos, Ângela e Camilo, nossos amigos de Wellington que estão por aqui!) um pra ir de Nusa Dua a Sanur, onde passaremos a virada. De cara, o motorista, o Dira, nos chamou a atenção: não era um balinês tão calmo quanto os que vimos por aí. Mas como todo balinês, gosta de conversar e é simpático e risonho! Aproveitamos e enchemos o cara de pergunta!


Do nosso papo duas coisas me chamaram mais atenção. Uma é a dureza em que ele vive. Negociamos o preço da viagem e ele apareceu com um carrão. Claro que não era dele, mas do “boss”, um chinês. E ele estava nos falando que só 20% do que pagamos fica com ele. Ele mora numa casa de um quarto (se é que a casa em si não é uma peça apenas), e ele dorme na mesma cama com a esposa, o filho de 9 anos e a filha de 5. Paga 300.000 rúpias por mês (mais ou menos US$33,00). Na negociação, ele começou dizendo que normalmente esta viagem de Nusa Dua a Sanur custa $150.000 rúpias, mas como tinha trânsito ele teria que cobrar 200.000 da gente. Nem tentamos negociar. A pobreza contrasta tanto com a riqueza dos resorts na beira da praia aqui que eu nem tenho mais vontade de barganhar quando estou lidando com locais; quero mais é pagar o que eles pedem. Digo isso porque há um quase “desespero” por parte dos locais de conseguir gente pra sua lojinha, pro seu transporte, pro seu restaurante, que me dói. Enfim, o que eu ia dizer é que eu espero que ele repasse apenas 150.000 pro “boss” dele, e que fique com os 60.000 extras (demos mais 10.000 de gorjeta) pra ele e pra família. Mas como eles parecem ser honestos, fico até na dúvida!


Outra coisa que me chamou a atenção é a raiva que ele tem de muçulmanos, ele que vive no país muçulmano mais populoso do mundo (embora todo país árabe seja muçulmano, nem todo país muçulmano é árabe)! Sim, a ilha de Bali é de maioria hindu e agora nas férias vem muita gente da ilha de Java pra cá, todos muçulmanos, e o Dira deixou bem claro, mesmo no seu parco inglês, que não gosta nem um pouco deles, que eles brigam muito, que colocaram as bombas em Bali nos anos de 2002 e 2005, que não tem nada contra os chineses e os cristãos, mas que preferia que os muçulmanos não viessem pra cá.


Aí que esse papo todo me fez pensar várias coisas. Primeiro, referente à minha primeira observação – o contraste entre pobres e ricos, a exploração dos pobres – pensei que talvez nisso Indonésia e Brasil não difiram muito. Mas apesar desta minha constatação, hoje, meu segundo dia aqui, me senti triste com a pobreza, com o lixo na rua, com a injustiça do mundo... eu que sou do Brasil, outro país de contrastes...


Já no quesito religião, pensei que o Brasil tem isso de bom: tolerância religiosa! Com toda a variedade de religiões que temos no nosso país, conflitos ou desacordos violentos entre diferentes na crença não é um dos nossos problemas. Aqui na Indonésia e em outros países do Sudeste Asiático, é um item constante nos relatórios de direitos humanos de ONGs como a Human Rights Watch ou Anistia Internacional. No caso específico da Indonésia, a questão envolve restrições que o governo impõe a atividades religiosas que não condizem com os mandatos das seis religiões oficiais do país (Islamismo, Protestantismo, Catolicismo, Hinduísmo, Budismo e Confucionismo).


Aí depois eu fiquei pensando na questão dos muçulmanos. O “mundo muçulmano” é enorme e variado! Então tem-se que tomar muito cuidado com as generalizações. Mas quando muçulmanos radicais e intolerantes têm atitudes radicais e intolerantes, é muito fácil cair na generalização e falar que “os muçulmanos são isso ou aquilo”, “são violentos e terroristas”, etc. E eu acho que ao fazer este tipo de afirmação comete-se uma injustiça com a maioria dos muçulmanos... Eu atribuo parte disso à mídia, às notícias que nos chegam, mas no caso do Dira, o motorista do táxi, não sei se a mídia está envolvida... Tenho a impressão que é mais questão de experiência pessoal... E então lamento essa rixa, pra falar de forma leve, entre hindus e muçulmanos que há em alguns países do Sudeste Asiático...


De fato, Indonésia é um país bastante religioso e Bali mostra bem isso. Todos os dias os balineses colocam uma oferenda para os deuses na frente das suas casas ou lojas; to-dos-os-di-as! São florzinhas, algum pedaço de comida (já vi bolachinha, fruta, arroz) e até cigarro! Nos explicaram que é pra trazer boa sorte! E boa sorte é o que eu desejo a este país dos contrastes na resolução de seus conflitos! Selamat Tahun Baru (Feliz Ano Novo) pra Indonésia e pra todos nós!

P.S. Só pra esclarecer, depois do Dira pegamos vários outros táxis e nenhum dos motoristas tinha raiva de muçulmano! Bem que a gente logo notou que o Dira era um balinês mais nervoso, como eu disse antes. E mesmo os conflitos ligados a intolerância religiosa aqui ocorrem em partes específicas da Indonésia. Bali é uma ilha pacífica, linda, interessante e, sim, de contrastes! (em 7/1/2011)